terça-feira, 16 de outubro de 2012

                                                                                        Keren Bonfim

Sobre os sons, a noite e os objetos...ou sobre qualquer coisa

O silêncio da noite é único. No quarto, apenas o “ronco” do computador ligado e o bater dos dedos no teclado. De vez em quando, uma ou outra bolacha é retirada do pacote e o barulho dos dentes triturando pedaço por pedaço se confunde com os outros sons. E lá fora? Um cachorro late distante, uma música toca na vida noturna que se fecha, um carro que passa ou um lap lap de sapatos na escada ao lado. Os sons se misturam mais uma vez e a vida se torna apenas um fragmento de algo maior, algo que não se encontra nos sons, mas dentro da gente.
Uma buzina e o som de uma mota, a vida continua. Já dizia o poeta que a noite é um mistério e estava certo ao deixar para o infinito aquilo que não tem explicação. Em algumas janelas há luzes acesas, às vezes uma ou outra sombra surge na rua vazia, porém, o silêncio maior e predominante permanece. A sensação de que, mesmo por um curto espaço de tempo, a vida tem o seu fluir interrompido faz-se predominantemente à noite. É ela quem esconde os “mistérios da meia-noite que andam tarde”, guarda as pessoas da exposição aberta e rancorosa que o dia traz. O sinistro é mais visível, se é que alguém já o viu. De qualquer forma, há algo que se esconde lá fora, uma coisa, um ser, um negócio, uma sensação, qualquer coisa, mas que está preso na escuridão.
Um assobio cortante nas escadas, quem será? Não dá pra saber, é apenas uma alma errante tentando fazer a sua felicidade (ou não). O assobio se cessa assim que começa a ser descrito, do mesmo jeito que as coisas boas se acabam assim que são tocadas. Uma freada lá fora, sempre lá fora, pois é do lado de fora que a vida permanece, mesmo num período em que está na sua fase de descanso: a noite. Aqui dentro, os sons são iguais aos de antes e não há nenhum mistério, pois os móveis e os objetos de ADORNO continuam nas posições anteriores. Dois minutos atrás, a geladeira produzia o mesmo ruído, uma semana atrás e o ruído o mesmo, dois meses atrás e ela estava no conserto porque deixara de produzir ruídos. Noite e noite se passaram e hoje ela está aqui, no mesmo local em que foi deixada desde o dia em entrou pela porta. Pela porta? É claro, embora alguns dos outros objetos que produzem ruídos parecidos com os dela tenham entrado pela janela. É o caso do vento...
...o vento, que mora aqui desde que apenas as árvores existiam no lugar. Ele entra todos os dias pela janela e não pede licença, aliás, por que pedir licença se o espaço era anteriormente totalmente dele? Nesta noite gelada, ele entra pelas frestas da janela e se instala nas mãos de quem digita, é como se sentisse uma vontade tremenda de impedir que as letras fossem surgindo no visor do computador. Mas as mãos são fortes, elas se apertam, se esfregam e conseguem fazer com que, pelo menos alguns segundos, ele vá embora.
Uma porta é tocada pelo vento e o seu ranger modifica o aspecto de um ambiente antes acostumado com os sons já instalados. Minutos mais tarde tudo está igual ao que era antes: fragmento de um instante perdido, parado, calmo e frio de uma noite qualquer.

Keren Bonfim

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Uma parte de mim (a jornalista)

Eu com um ano de idade apenas adorava andar pela sala, cantando e falando sozinha. Pode ser que naquela época eu fosse mesmo só, filha única, poucos primos. Mas a mania se perpetuou em minha vida. Eu sempre fui meio louca, meio sã... Ficava dando voltas, pensando na vida, falando sozinha, imaginando conversar com alguém... Eu lia em voz alta, desde meus cinco anos, pra uma plateia imaginária e pra minha mãe.  Lembro também que me decepcionei ao ver que os livros da seção infantil tinham histórias muito bobinhas... E resolvi trocar de prateleira.
Aos oito anos, comecei a imaginar o meu futuro, o que queria ser. Eu só tinha certeza de que iria escrever: ser escritora, publicar livros, tinha tanta criatividade para inventar! Pensava em ser professora, e sempre brincava de escola... Brincava de apresentadora de TV com meus primos e meu pai já captou com a filmadora caseira momentos em que eu entrevistava minha irmã sobre um livro. Eu era um pouco jornalista há muito tempo... Eu sentava no sofá da sala com uma xícara de café e me imaginava entrevistando alguém enquanto saboreava a bebida.
Demorei para perceber que era isso mesmo que eu queria. Eu gostava de assistir aos telejornais ao lado do meu pai e da minha mãe, a gente comentava, criticava e até reclamava das matérias. Mas me interessei mesmo foi quando comecei a acompanhar meu pai e sua visitação assídua aos blogs políticos. Intrigou-me a possibilidade de haver um outro lado, existir imparcialidade. Descobrir isso me deixou fascinada em conhecer mais e mais sobre aquilo que eu imaginava ser perfeito. Foi aí que tudo começou, aos meus 14 anos.
Talvez algum dia eu publique um livro, esse é meu sonho de infância. Mas enquanto isso não acontece, eu serei jornalista, porque descobri que é de escrever que sempre gostei. Meu pai que me perdoe, mas sim, ele me inspirou muito a seguir essa profissão, não adianta me criticar! Mas tudo bem, já fizemos as pazes (eu acho).

Taís Borges de Macedo
                                                    
                                                    Keren Bonfim

A pauta agora é as mulheres: Mais belas que Megan Fox




Lila Abu-Lughod escreve sobre a mulher mulçumana e sua burca perguntando-se: “as mulheres mulçumanas precisam mesmo de salvação”? Fala sobre o discurso de Laura Bush, que afirma ser uma das consequências da ‘Guerra ao Terrorismo’ a liberdade das mulheres mulçumanas. Porém, o que é a liberdade das mulheres no mundo contemporâneo? Quem define o que é ser uma “mulher evoluída”? Hoje ser evoluída pode significar não aceitar a burca e a submissão ao marido, porém quem é essa mulher evoluída?

Devemos tomar cuidado para não reduzir as diversas situações e atitudes de milhões de mulheres muçulmanas para uma única peça de roupa. Talvez seja hora de desistir da obsessão americana com o véu e focar em questões mais sérias com as quais as feministas e outras deveriam de fato estar preocupadas.[1]
Quando colocamos que uma mulher do ocidente é evoluída estamos rebaixando as mulheres do oriente a inferiores. Criamos então estereótipos. Ninguém obriga as mulheres de alguns países do oriente (como colocado pela autora em seu artigo As mulheres mulçumanas precisam mesmo de salvação?), entretanto, elas continuam com seus costumes. Se ninguém as obriga à submissão porque temos que obrigá-las a aceitar o valor de “mulher evoluída”?
As autoras Jussara Reis Prá e Léa Epping ao discutirem direitos humanos universais destacam os direitos femininos como, por exemplo, os relacionados à liberdade sexual
Ao avaliar retrospectivamente o caminho percorrido pelas mulheres nas três últimas décadas, não podemos deixar de perceber o seu esforço para mudar as normas vigentes sobre as concepções de gênero e estabelecer as bases para buscar a igualdade de direitos. Sem dúvida, a experiência participativa das brasileiras e seu empenho junto às Nações Unidas e a instâncias sociais e governamentais forneceram os recursos necessários para empreender essa caminhada. Porém, ao pensar nos próximos decênios, podemos perceber que essas práticas continuam a demandar atenção, apesar de evidenciarem muitos resultados exitosos. O aparente reconhecimento da cidadania feminina e a sua inclusão em programas de governos e em agendas nacionais, a partir dos anos 1990, não têm se mostrado capaz de garantir todos os direitos humanos a todas as mulheres. Portanto, essa tarefa continua imperativa para quem defende a expansão da cidadania feminina e a equidade de gênero.[2]
Ao falarmos na mulher na sociedade contemporânea o feminismo vem com força nas nossas cabeças, e não é à toa. Todos - ou pelo menos grande parte - dos avanços na história estão relacionados ao feminismo. A queima de sutiã em praça pública na França. A invasão feminina no mercado de trabalho. A luta da Maria da Penha. Atualmente a Marcha das Vadias. São todos exemplos do poder que as mulheres - ditas minoria - têm.
Maria da Penha representa uma grande parcela de brasileiras que sofrem repressão daqueles que deveriam ser seus maiores incentivadores: seus companheiros. Sua história todos conhecem, porém há muitas “Marias da Penha” que não tem a coragem de denunciar seus maridos ou namorados pela agressão que sofrem. Sendo assim, viram vítimas do seu próprio medo. Maria conta que em sua época “era vergonhoso demais mostrar que a gente sofria violência” E hoje depois de ter passado por tudo relata:
Em todo lugar que eu vou tem alguém que diz que foi salva pela lei, que se não fosse a lei poderia estar morta e nas comunidades mais carentes eu vejo ‘quando meu vizinho foi preso meu marido nunca mais bateu em mim’. E hoje essa mulher pode sair de casa com a certidão do seus filhos, chegar numa delegacia e dizer ‘olha, eu não tenho condições, não quero que ele conviva mais comigo’ e as medidas protetoras são dadas a essa mulher. Ele é retirado de casa e se ele desobedecer a essa ordem vai ser preso. Essa lei tem a cara do que o Brasil precisa em relação a mulher e realmente está fazendo a diferença hoje. [3]
Antigamente a mulher era "escrava" da cultura machista que a obrigava a seguir determinadas ordens e hoje vemos em como, em alguns casos, essas mesmas mulheres escravas da visão da "mulher evoluída", que apregoa: todas têm que ser independentes, terem sua renda, casa própria, dirigir seu próprio carro. Isso parece ser interessante, mas até o momento que não interfere na vida dos outros. Não podemos decidir que ser independente é o certo e querer aplicar isso à força nas culturas orientais, como o exemplo tomado no começo do texto.
Também vemos mulheres escravas da beleza, que fazem de tudo para estar dentro dos padrões que se impõem, deixam de comer aquele doce para caber num manequim menor. Claro que sentir-se bem, achar-se bela é importante para autoestima, aceitar-se do jeito que é. Mas até onde essa massificação de uma beleza exagerada é positiva para as mulheres?
Para algumas pesquisadoras na área da comunicação ainda vivemos uma sociedade machista e parte dessa culpa é dos meios de comunicação. No livro Mulher e mídia: Uma pauta desigual? é colocado que a imprensa, muitas vezes, já tem uma ideia e um posicionamento pré-definidos quando a pauta é mulheres e alguma bandeira feminista. Levando em consideração o forte impacto emocional que tais matérias geram há, mesmo assim, uma tentativa de diminuir essas ideias pré-existentes antes da apuração.
O livro também debate a concepção de leitor que consome esses tipos de mídia. São passivos que só conhecem o feminismo pelo que a mídia conta ou procuram informação por conta própria? Fátima Jordão, socióloga, argumenta que ”os leitores são perfeitamente capazes de se interessar e acompanhar matérias mais longas nos jornais, desde que elas tenham um tratamento adequado.”
Todas essas referências nos fazem repensar o papel da mulher na sociedade contemporânea ocidental. Será ela mesmo machista? Será ela com um toque feminista de “mulher independente”, como uma vítima ou como uma guerreira que levanta as bandeiras de sua luta? Seja qual for a maneira que ela queira viver o mínimo que a sociedade precisa é aceitar como certo o seu jeito, afinal, na nossa era, dita pós-moderna, há espaço para todas.
Luana Caroline do Nascimento
REFERÊNCIA:
EPPING, Léa & PRÁ, Jussara Reis. Cidadania e feminismo no reconhecimento dos direitos humanos das mulheres. Disponível em: http://www.ieg.ufsc.br/revistas.php .Acessado em: <18/09/2012>
FERNANDES, Maria da Penha Maia. Entrevista à Igreja Adventista. Disponível em: http://vimeo.com/13936716. Acessado em: <20/09/2012>
LILA, Abu-Lughod. As mulheres mulçumanas precisam mesmo de salvação? Reflexões antropológicas sobre o relativismo cultural e seus Outros. Disponível em: http://www.ieg.ufsc.br/revistas.php .Acessado em: <18/09/2012>
OLIVEIRA, Guacira César de; MELO Jacira & LIBARDONI, Marlene (org.). Mulher e mídia: Uma pauta desigual? São Paulo. CFEMEA/RedeSaúde. 1997
[1] LUGHOD, Lila Abu, 2012
[2] PRÁ, Jussara Reis e EPPING, Léa, 2012
[3] FERNANDES, Maria da Penha Maia, 2010


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Rosebud – o pedaço perdido da vida do Cidadão Kane

Cidadão Kane é um filme feito para brilhar ontem, hoje e sempre. Lançado em 1941 pelo cinema norte-americano e dirigido por Orson Welles, o longa-metragem conta a história de vida de Charles Foster Kane, um menino de origem humilde que se tornaria o magnata dos jornais estadunidenses.
Misturando dramaticidade e suspense, o filme começa com a morte de Kane e sua última palavra: Rosebud. Os jornais de todo o mundo se propõem a noticiar tal fato, no entanto, um jornalista chamado Thompson fica encarregado de investigar o significado desse nome e o que isso representava para Kane – seria uma garota, uma aposta num jogo, enfim, uma simples parte de uma vida tão peculiar?
Desse modo, Thompson inicia sua jornada no passado de um homem que fora ao mesmo tempo amado e odiado pelos americanos. Nesta caminhada, a vida de Kane é reconstruída a partir de recordações de personagens e de viagens no tempo. De uma visita à biblioteca, Kane aparece como um garoto brincando na neve com o seu trenó, ingênuo ao que o mundo teria a lhe oferecer; mas como sua mãe havia recebido uma grande fortuna ao ficar com uma mina supostamente abandonada de um inquilino, ela passa ao encargo do banco a educação de Kane até que o menino completasse 25 anos e pudesse tomar conta de todo o dinheiro.
De toda a fortuna que lhe pertence, o que mais interessa a Charles, porém, é o Inquirer, um pequeno jornal de Nova York e que, dentro de pouco tempo após assumir seu controle, Kane o transforma no jornal mais vendido. Selecionando notícias cotidianas e fazendo de fatos aparentemente banais grandes acontecimentos, Kane se inicia na produção do Jornalismo Amarelo (Imprensa Marrom aqui no Brasil), ou seja, a busca de notícias a qualquer preço.
No entanto, em todas as lembranças das pessoas que fizeram parte da vida de Kane, ninguém parece saber o que significa Rosebud. Nem Leland, que era o melhor amigo de Charles; nem Susan Alexander, segunda esposa do magnata. O que faz com que o espectador se encante e se veja dentro do enredo do filme é exatamente essa mescla de expectativa e agitação, pois é convidado a todo o momento a tentar desvendar tal palavra e a entender as vontades de Kane.
Thompson prossegue em suas buscas “memória a memória”. São dois casamentos realizados por Kane e os dois acabados, uma tentativa de se tornar governador que quase acaba vingando se não fosse a denúncia de um jornal rival sobre um suposto escândalo de Charles com uma cantora, Susan Alexander, a qual se tornaria mais tarde sua segunda esposa. Das idas e vindas, Charles acaba por acumular ainda mais sua fortuna, além de construir uma propriedade considerada a maior mansão privada do mundo, Xanadu. Mas, para citar uma frase do próprio narrador do filme, ”como para todos os homens, a morte chegou para Charles Foster Kane”.
Thompson não descobre o significado de Rosebud e termina por acreditar que seja apenas uma parte do quebra-cabeça da vida de Kane, mas o espectador não, esse sim pode e deve compreender que Rosebud, contrariando todas as perspectivas, nada mais era do que um pedaço da infância de um menino, um pedaço perdido, talvez, mas que na memória de Kane estava mais vivo que toda a sua própria vida e representava apenas o trenó de seus dias de criança.

Keren Bonfim